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Transportar uma caverna de São Paulo para a Turquia ou para o estado da Carolina do Norte, nos EUA, parece uma tarefa possível apenas na ficção. No entanto, é isso que uma equipe de cientistas de diversas áreas do conhecimento está fazendo para revelar detalhes sobre os ancestrais que habitaram o interior do Estado paulista.

E, apesar de parecer “coisa de ficção”, essa conexão é possível com ajuda de tecnologias que você encontra no dia a dia: realidade virtual, drones e dados em nuvem. O projeto Ciberarqueologia – Realidade virtual e eScience aplica técnicas digitais para escavações, gera quantidade imensas de dados e permite que sítios arqueológicos no interior de São Paulo sejam analisados por especialistas ao redor do mundo, comenta o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do projeto, Marcelo Zuffo.

— A escavação de um sítio arqueológico é essencialmente uma análise destrutível. Quando escavamos, ele é destruído. Escanear progressivamente a escavação gera um grande volume de dados, da ordem de terabytes por sítio. Nosso objetivo é criar ferramentas interativas de realidade virtual que permitam estudar os sítios em ambientes imersivos e analisar aspectos que nem sempre são perceptíveis no estudo presencial.

A pesquisa é fruto de uma parceria entre a Caverna Digital do LSI (Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP), o MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP) e a Universidade de Duke (EUA) e foi realizada nos sítios de Itapeva e Dourado, ambos no interior do Estado. Zuffo, que também é membro do IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos), acredita que o projeto pode representar uma evolução da arqueologia atual.

eScience e drones

A iniciativa ainda prevê uma parceria com dois pesquisadores da Universidade Duke, Maurizio Forte e Regis Kopper, responsáveis pelo escaneamento do sítio Çatalhöyük, na Turquia. Também envolve pesquisadores da Escola Politécnica e do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, como Maria Isabel D’Agostino Fleming e Astolfo Araújo.

O projeto Ciberarqueologia é um dos primeiros exemplares da chamada eScience na pesquisa nacional. O termo significa a união entre as tecnologias computacionais para processamento do volume gigantesco de dados gerados em campos de pesquisa, como, nesse caso, a arqueologia. O estudo tem financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Um exemplo do impacto da eScience está na identificação de sinais que passaríam desapercebidos até mesmo por especialistas na área. Zuffo conta que um algoritmo de identificação de padrões foi capaz de revelar diversas inscrições rupestres em um dos abrigos escavados pela equipe do projeto.

Máquinas encontram sinais que passam despercebidos por especialistas

O número de inscrições rupestres encontradas após a ajuda das máquinas enriquece a história que será contada pelos pesquisadores sobre as pessoas que viveram naquele local há 12 mil anos. Graças à análise das imagens e busca por padrões realizada pelo computador, os arqueólogos foram capazes de identificar novos padrões nos desenhos.

Além de utilizar a tecnologia para a descoberta de novos sinais deixados a tanto tempo, o Ciberarqueologia tem como principal contribuição a construção de uma metodologia. Para entender as razões que tornam o projeto algo único, é necessário observar que uma escavação arqueológica é, via de regra, um ambiente hostil para a tecnologia. Além de delicados, equipamentos como drones, escaners 3D e outros não atingem todo seu potencial sem internet, sinal de telefone ou pontos de energia.

Da mesma forma que um arqueólogo usa pá, enxada e microscópio, os cientistas brasileiros também criaram ferramentas para explorar os sítios e transportá-los para o ambiente digital. Melhorar a eficiência dos drones foi um dos desafios. A resposta do time de pesquisa foi a criação do programa Ícaro, que “treinou” os veículos autônomos para realizarem arqueologia.

— O Ícaro trabalha com o conceito de veículo autônomo não tripulado. O arqueólogo define para o drone que precisa escanear uma rocha e o drone faz isso sozinho. A nossa autonomia de voo e o número de acidentes zerou. O drone só tem o desgaste próprio dele.

Zuffo ainda comenta que o volume de fotos registradas pelo drone durante o projeto passa das 200 mil. Mas, com tantos dados, como a equipe do Laboratório de Sistemas Integráveis processou tantas informações?

— Tivemos que montar um computador com todos os recursos de placas e memórias disponíveis só para receber os dados. Também criamos uma ferramenta realidade virtual, chamada ArqueoVR, utilizando óculos de realidade virtual para fazer a inspeção no mundo virtual. A ferramenta é complicada, porque trabalha não só a exposição desses dados virtuais, mas também a com a possibilidade de o arqueólogo escrever e anotar esses dados. E também fazer a busca nessa base maciça de dados.

Como funciona?

Construir uma ponte para o passado não é simples. O coordenador do projeto explica que o fluxo de trabalho teve que ser adaptado para a logística dos equipamentos, mas essa troca tem tido êxito em abrir novas perguntas e atingir descobertas.

O sistema híbrido da pesquisa incluí: além dos scanners, fotometria e videometria de alta definição. Com o escaner portátil 3D de altíssima definição, que permite escanear objetos de até 150 metros e uma câmera esférica (360°), os pesquisadores da Caverna Digital conseguem recriar em 3D, com alta fidelidade.

A primeira versão do ambiente 3D permite que, com um par de óculos Rift, seja possível “visitar” o local, mesmo estando a centenas de quilômetros de distância dele. Zuffo explica que esses dados chegam a ocupar 500 GB em apenas um dia de captação.

O passo seguinte é a edição das imagens em 360º e a reconstrução em 3D. A partir dessas imagens, é gerada uma nuvem de pontos – é aqui que começa um fluxo de trabalho da equipe de realidade virtual. Nesse ponto, os pesquisadores usam o ArqueoVR. No software, o arqueólogo interage, descobre novas informações e faz o processamento das imagens. O processo segue quando o pesquisador volta ao sítio para fazer a validação dos dados descobertos.

Além de poder utilizar a realidade virtual e análise dos dados fora dos sítios, o contato com a tecnologia tem se intensificado e os membros da equipe passaram a utilizar realidade aumentada em campo.

Os materiais da pesquisa serão disponibilizados por meio da publicação do banco de dados em domínio público. O coordenador ainda argumenta que o estudo pode ter um papel de divulgação importante, ao mostrar para o público que é possível fazer arqueologia no País.

 

— A arqueologia no Brasil começou tarde e foi herdada de nações colonizadoras. Então, a arqueologia até recentemente era muito centrada na Europa e dentro da visão eurocêntrica.

Arqueologia para todos

Para o arqueólogo Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, essa ferramenta tem grande potencial também para chamar atenção do público leigo.

— Do ponto de vista museológico e museográfico, ela permite ao visitante leigo ter uma ideia de espacialidade que não pode ser transmitida por meios convencionais bidimensionais, tais como fotografias, vídeos, desenhos. A pessoa se sente dentro do sítio, e pode visualizá-lo de qualquer ângulo.

O registro digital talvez seja a única maneira de preservar sítios para gerações futuras

Outro aspecto que o cientista aborda é a possibilidade de que outros arqueólogos possam visitar o sítio virtualmente, discutindo aspectos técnicos, complementa.

— Posso mostrar uma reconstituição das pinturas, ou descer na escavação e mostrar aos colegas uma visão tridimensional dos artefatos, como se eles estivessem flutuando no ar, e, ao clicar em um artefato, obter os dados dele, tais como tamanho, peso, classificação. Posso escavar, virtualmente, e posso colocar o solo de volta.

Para o arqueólogo, toda a parafernália também tem um sentido semelhante às mensagens gravadas na Pedra do Sol: fazer com que as pessoas do futuro tenham acesso a informações sobre a existência de seus ancestrais.

— O registro digital desses sítios talvez seja a única maneira de preservá-los para gerações futuras.

Fonte: r7

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